quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Estilística.

Não te amo em soneto

como um taxidermista na Champs Eliseé
empalhando a beleza
em pleno café da manhã.

Não te amo
(apesar do nome)
parnaso como Assis.

Não te amo
deliciosamente
como amam as memórias
do Manoel Bandeira.

Não te amo
cor de rosa
branca e pura

com o romantismo de quem mesmo?

Eu te amo como eu
com a certeza apenas de que te quero

musa

doadora

poesia para sempre.

Et soudain, il s'est passé.

Adianto:
não fomos feitos um para o outro.
E saiba agora, olho no olho,
talvez não cumpriremos o destino
que Eros nos reservou.
Alguém ergue a taça

- Um brinde!

Uma ovelha ama outra
ovelha? Não.
Elas sabem que a lã que esquenta
não dura. Que vira um pulôver.
E eu não admitiria te ver
nos peitos de outro.

Falam alto na mesa ao lado.

Demoro numa foto sua
e creio, sem medo,
não te esquecer nunca.
Somos o diferente planejado,
alguns centímetros pra esquerda
e viramos
obra de arte.

Ah, Diderot! Ah, Diderot!



Na lagoa.

Quando te vejo
[como o sapo quando vê a rã]
arregalo.

Inflo meu peito, coaxo,
te estendo a língua.

Você me conhece, eu dou meus pulos.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Coisa de menino.



Deixou-lhe um bilhete na porta de entrada

- (Im)preciso de você.

E ela olhou para o corre(dor)
procurando indecisa
não sabia se esperava o galã da novela
ou o garoto de óculos
da terceira série

Pregou outro bilhete com chiclete de menta

- Por que quase me completo - ao meio.

Saiu correndo dando tchau para o porteiro
esbarrando na senhora com sacolas
pulando as hortências do jardim
e pegou o primeiro ônibus que viu.

E foi vendo pelo olho mágico
que ela se apaixonou
perdida(mente)

por aquele poeta envergonhado.

Amor de passarinho.



Tinha visto o pardal
[na água]

pousa asa
por asa

e lembrou da morena que voou pra longe

volta pra casa
volta pra casa.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Café com rebú.

E você pensa nos girassóis
que mudam de lado
e quer mexer no cabelo
antes de tudo.
Chove a chuva que molha os sentidos
troca de rota e pede um café.

Pouco açúcar, por favor.

E você acredita no Wim Wenders
soprando vinte e quatro quadros
debaixo dos caracóis
do seu cabelo.
Acende um cigarro e sente o vento
que passa disfarçado.

Everything's gonna be alright.

E você sonha em segredo
com pássaros azuis
que vem sem vergonha
na sua janela.
Entretém o tempo com batuque
estragando o esmalte da unha.

Alguém já lhe disse pra ligar pra ele?

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Borboleta

Vejo novamente as borboletas
e Glauber sair para apanhá-las
num golpe só.

Tenho outra vez a vida que o filme me levou

a arte concreta do intacto instante
e a incerteza do que o vento trouxe.

Vejo Dalí se ater às borboletas
e a conversar com Glauber
algo de Kandinsk

borboletas coloridas (tão coloridas!)

Nosso passado colonial
enfeita as arestas

enquanto alguém faz um brinde com cachaça.

Uma tulipa é beijada pela borboleta
que Glauber não pegou
-por delicadeza

o estranho momento que existe
ao presenciar o amor apaixonado
da borboleta

desafiando o cinema novo.

Daqui.

Eu tenho saudade de quem tá perto

do cafuné
de ler o velho Buck
abraçado

que saudade de quem tá longe
já tá bem fora de moda.

E sinto você como numa fisgada

o pescador sente o peixe
e se deixa levar
na linha

eu tenho saudade aqui do meu lado.

terça-feira, 12 de março de 2013

Pela humanidade

Ainda vão dizer:
-Que puto ele foi!
E sobre as minhas cinzas
um pássaro,
um lagarto
e um besouro
vão passar.
Alguém se lembrará
de dar
meu nome
à uma avenida.
Alguém se lembrará,
não sem comovida
hipocrisia,
que eu fui do bem
e que amei você.

Mas tudo terminará
numa frase de efeito
e numa piada
de um bêbado amigo.

Solicitude comunista

O homem que lia Bóris
desenhava poesia

pra quebrar a burocracia do cerrado.

E olha que coisa:
hoje tudo que a gente precisa 
é de uma curva!

E só.

Ame
me

anime

meu
ânimo

enquanto a vida passa.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Assim do nada pra sempre

Eu te amei um pouco.
Isso basta.
Rubriquei meu nome
no teu corpo
como fazem os grandes
atores pornô.

Antes de voltar pra casa
eu rezei pra você ser feliz.

Notas

Enquanto isso
eu leio seco o jornal
[de ontem]
pensando nos teus peitos
rosados
e em como vou falar
te amo.
Alguém me conta qualquer
coisa
eu viro a página
eu não tenho a menor ideia
do que é.
Os pombos cagam
na calçada
as pessoas passam
na calçada
[cagada]
e eu preciso pensar urgente
numa maneira de falar
com você
enquanto alguém me dá
o boletim completo
do caralho a quatro.

Eu já decidi - vou aprender a tocar piano
só pra dedicar uma canção de amor pra você
e seus peitos cor de rosa.



Picardia

Todo dia ela
deixa
um pouco de si

na plataforma superior da rodoviária.

Pega um panfleto
assovia
e se deixa ir

com os muitos a caminho do conic.

Brasília é linda vista
quando se passa de ônibus
voltando pra casa.

Configurações diárias

O poeta foi ao hospital
vomitando muito.
Uns diziam que era fome
outros absinto.

O poeta vomitando haicais
senta e assiste a novela
na TV do pronto socorro.

De repente tirou a roupa
e gritou:

- Será que aqui ninguém reconhece
uma boa ressaca de Leminsk?